domingo, 17 de julho de 2011

Coleta de cartas

Registro de um diálogo no Centro Cultural São Paulo (junho de 2011), durante o evento Semanas da Dança. 
Encontro vivenciado ao coletar cartas para o processo criativo de Outros Ecos da Cia. Fragmento de Dança.

 

...Eu: Como você veio parar aqui no Centro Cultural São Paulo?

Tales: Em 2000 fui demitido, fiquei desempregado. Trabalhava como funcionário na UNINOVE, sai de lá com a promessa de que eles iriam me dar de tudo. Por que depois que eles descobriram que eu tinha o cérebro trocado nunca mais eu tive sossego, já me cortaram em tudo quanto é canto para poder fazer pesquisa. Então, eu fui parar no albergue, situação que eu nunca imaginei passar. Se tem uma coisa que eu ainda não aprendi a dividir é o momento do sono. Cresci na casa dos meus avós num quarto sozinho. Hoje em dia moro num viaduto da 23. Por isso sempre estou por aqui. Fiz curso de informática, ia no cinema quando era de graça, se você não tem dinheiro e vive em SP aqui é um bom lugar.

Eu: Mas como é essa história de cérebro trocado?
Tales: O normal é o hemisfério direito comandar o lado esquerdo do corpo e o hemisfério esquerdo comandar o lado direito do corpo. No meu caso, o hemisfério direito comanda os dois lados do corpo.

Eu: Ahn...E quem são eles?
Tales: No início era a polícia, polícia federal, depois fiquei sabendo que tinha até gente dos Estados Unidos envolvido. Não sei... Deve ser para a sociedade médica, né? Mas eles decidiram que era melhor eu conviver com outras pessoas, saber como eu reajo. Por isso vim parar na rua...


(Local: rampa do metrô Vergueiro, com acesso ao CCSP.Horário: luz do dia)

(Talles: olhar lúcido, tranquilo, trajes sujos, tempo lento, coração limpo. Eu: olhar curioso, ouvidos porosos, trajes limpos, em busca de um tempo que possibilita o encontro, coração inseguro)


Carolina Minozzi
(intérprete da Cia Fragmento)


 

Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada.
Clarice Lispector

Um comentário:

  1. Ás vezes penso que é no inesperado que as coisas acontecem e abrilhamtam-se... que beleza de diálogo. E que beleza de memória para registrar... Clarice Lispector, não escrevia: memorava. Parabéns!

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